Voltar

Um longo caminho a percorrer até à transição energética

Novas fontes de energia requerem desenvolvimento e investimento, que os municípios podem vir a receber.

A ideia de energia do futuro é muito desafiante, especialmente quando os requerimentos são tão rígidos como os que a situação atual impõe. A neutralidade carbónica é o objetivo último, o que implica tecnologias que não emitam gases poluentes, que se enquadrem num contexto de economia circular e que tenham em conta uma visão a longo prazo, economizando recursos naturais.

A meta climática da neutralidade carbónica em Portugal está definida para 2050. E, para que isso aconteça, o Plano de Recuperação e Resiliência integra várias medidas, nomeadamente a componente Hidrogénio e Renováveis. Para quê? “Promover a transição energética através do apoio às energias renováveis, com enfoque na produção de hidrogénio e de outros gases de origem renovável e, no contexto das Regiões Autónomas, de energias de fonte renovável”, pode ler-se no documento original.

Uma das reformas estipuladas para esta componente é a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2). Lançada para responder a desafios como a promoção do crescimento económico e o emprego por via do desenvolvimento de novas indústrias e serviços associados, esta estratégia promove a introdução gradual do hidrogénio verde rumo a uma economia descarbonizada. Esta solução oferece versatilidade e eficiência, uma vez que o hidrogénio pode servir como substituto para os combustíveis fósseis, sem muita necessidade de transição de equipamentos.

Para a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), a Estratégia Nacional “possibilita que a intenção do PRR de promover a produção de hidrogénio tenha estrutura para se desenvolver”. No entanto, Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação, refere que “o PRR apresenta uma falta de ambição face ao desafio que a EN-H2 impõe”. Para esta Associação, “se Portugal pretende tornar-se num hub tecnológico para o desenvolvimento de hidrogénio verde, é necessária uma forte indicação para o mercado de que este setor vai ter um papel vital na recuperação económica, através da criação de uma cadeia de valor que irá gerar emprego, exportações e reduzir a fatura energética do país”.

O PRR refere que os investimentos previstos para esta componente podem passar pelo “apoio a projetos de produção de gases de origem renovável, bem como de tecnologias testadas e que não estejam ainda suficientemente disseminadas no território nacional, ambos visando o autoconsumo e/ou injeção na rede”. Com uma dotação total de 370 milhões de euros em investimentos, sendo que uma grande fatia – 185 milhões de euros – está alocada ao hidrogénio e gases renováveis.

Uma visão holística

João Joanaz de Melo, professor Associado na Universidade NOVA de Lisboa e investigador no CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, alerta que “o hidrogénio é uma fileira tecnológica com potencial, mas ainda em desenvolvimento, e não é uma fonte de energia primária, mas apenas um vetor: os seus impactes dependem fortemente da origem da energia usada para o produzir”. Lembrando que estão ainda por resolver problemas logísticos importantes, “ao nível da armazenagem e transporte”, o investigador considera que “faz sentido apoiar o desenvolvimento e demonstração desta fileira, mas ainda não é uma tecnologia comercialmente viável nem aplicável em larga escala, a curto prazo”.

Já a APREN não tem dúvidas de que “os investimentos previstos irão contribuir para o desenvolvimento do setor, que é extremamente urgente dadas as metas de redução de emissões propostas em termos europeus”. No entanto, a Associação ressalva a importância de se perceber que “o setor das energias renováveis, apesar de não ter sido dos setores mais fustigados pela pandemia da COVID-19, uma vez que permaneceu em funcionamento (…), viu, em resultado da pandemia, muitos dos seus desenvolvimentos e projetos serem adiados, com repercussões que prejudicam a estabilidade das empresas”.

Como tal, recorda a APREN, “as barreiras já existentes agravaram-se severamente, sendo imperativo que se comece a trabalhar numa visão mais holística e integrada de todo o setor de geração de eletricidade, que acarreta inúmeros desafios que precisam com urgência de ser abordados, com o risco de comprometermos o tecido empresarial nacional, o potencial de desenvolvimento do setor e as metas de descarbonização”.

Além disso, e para João Joanaz de Melo, a transição não se faz só nestes gestos grandes, é precisa também a nível mais local, mais específico. “A prioridade absoluta das políticas de energia e clima tem de ser a eficiência energética em todos os setores, a começar por edifícios, indústria e transportes, e não a mera alteração de fontes energéticas.” Para tal, considera que a aposta na eficiência, “com medidas bem desenhadas, é de longe a forma mais eficaz de tornar a economia mais eficiente e reduzir os impactes ambientais”.

O investigador lamenta também que a dimensão da eficiência tenha sido “sistematicamente subvalorizada nas políticas energéticas”, não sendo o PRR uma exceção, uma vez que “os montantes dedicados à eficiência energética parece serem muito insuficientes e as ferramentas publicadas até agora são inadequadas”.