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E se a resposta estiver no carbono?

Espera-se que o sequestro de carbono seja uma estratégia que ajude Portugal a alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Mas o que é este processo, de facto? E como podem as autarquias incluí-lo nos seus territórios?

As emissões de dióxido de carbono (CO2) resultantes da atividade humana conduzem a um aumento de concentração deste gás, contribuindo para as alterações climáticas. Ainda assim, é improvável que o mundo deixe de depender tão depressa dos processos que as causam. Mas, e se existisse uma forma de compensar as emissões que não podem ser evitadas?

É aqui que entra o sequestro de carbono, peça-chave do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, uma estratégia que o Governo nacional apresentou com vista ao cumprimento do Acordo de Paris. Nesse documento, pode ler-se que “o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050 significa alcançar um balanço neutro entre as emissões de gases de efeito de estufa (GEE) e o sequestro de carbono”. Para tal, aponta-se como caminho “efetuar reduções substanciais das emissões e/ou aumentos substanciais dos sumidouros nacionais”. Mas ao passo que a necessidade de reduzir as emissões de GEE para combater as alterações climáticas está presente na consciência de todos, o caminho para lá chegar nem sempre é fácil de compreender.

O que é o sequestro de carbono?

Os objetivos estão estabelecidos, mas restam dúvidas. Em primeiro lugar, é preciso entender de que se trata o sequestro de carbono. De uma forma simples, “refere-se ao processo de remover o dióxido de car¬bono da atmosfera”, explica Miguel Jerónimo, coordenador dos projetos Renature do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA). Ao diminuir a concentração de CO2 na atmosfera, o processo “ajuda a mitigar os impactos das alterações climáticas, atenuando o aumento das temperaturas globais e o exponenciar de eventos climáticos extremos”, acrescenta.

Através do sequestro, o CO2 é naturalmente capturado e armazenado pelos ecossistemas naturais. O problema é que as emissões de CO2 atuais excedem em muito a capacidade de captura da natureza. Olhando apenas para 2022“, foi ultrapassado o limite das 420 partes por milhão (ppm) de carbono na atmosfera”, o que equivale a um aumento de quase 50% face ao nível de referência pré-revolução industrial, que é de 280 ppm, afirma o coordenador de projetos do GEOTA.

Sendo o ser humano o grande responsável pelo problema, também pode fazer parte da solução, incorporando o sequestro de carbono nas suas estratégias de mitigação das alterações climáticas. Como? Ao melhorar a capacidade de captura de carbono dos sumidouros, “reservatórios naturais ou artificiais que absorvem e armazenam dióxido de carbono da atmosfera”, refere Miguel Jerónimo. Esses podem dividir-se em terrestres e oceânicos.

“Os sumidouros terrestres incluem florestas, pastagens, terrenos agrícolas e zonas húmidas, que armazenam carbono na forma de biomassa e matéria orgânica do solo”. Já os “sumidouros oceânicos incluem as águas superficiais dos oceanos, que absorvem dióxido de carbono da atmosfera por meio de um processo chamado acidificação oceânica”, esclarece Miguel Jerónimo, mas deixa uma ressalva importante: “À medida que o oceano absorve mais dióxido de carbono, torna-se mais ácido, o que leva a um impacto negativo nos ecossistemas marinhos e nas espécies que deles dependem”.
Assim, se um destes ecossistemas estiver degradado, “o sumidouro passa a emissor durante o processo de degradação por mecanismos naturais que são exacerbados pelas perturbações externas ao ecossistema”, explica Carlos Álvaro, cofundador da CarBio-Solo, uma start-up dedicada à captura de carbono do solo.

É isso que acontece, por exemplo, com as florestas de eucalipto, que são regularmente cortadas para a produção de celulose, tornando os solos suscetíveis a “erosão e exposição ao sol, que aumenta a oxidação da matéria orgânica do solo”, acrescenta o especialista. Outro problema verifica-se em solos agrí¬colas, que devido à “lavoura excessiva”, por exemplo, ficam degradados e podem tornar-se emissores líquidos em vez de sumidouros.

Vantagens a nível local

Embora a criação e a implementação de estratégias artificiais de sequestro de carbono na mitigação das alterações climáticas en¬volvam a colaboração de diversas entidades – ONGAs, universidades, empresas e agências do Governo –, também estão ao nível do poder local. As autarquias “podem não só aplicar como criar estratégias municipais de sequestro de carbono”, afirma Carlos Álvaro.

Com base na experiência da CarBio-Solo, as estratégias que se aplicam melhor à realidade dos municípios em Portugal são as soluções baseadas na natureza, por serem menos dispendiosas e também pela grande diversidade de abordagens específicas que podem adotar. “As estratégias com as quais trabalhamos incidem em melhorias nas práticas agrícolas e na gestão do solo”, explica o cofundador da start-up.

Quando o foco é “melhorar a eficiência da utilização dos terrenos agrícolas”, a start-up recorre à “gestão da rotação de culturas, fertilização verde, à sementeira direta ou gestão da mobilização do solo, gestão de restolho e à agricultura regenerativa”, explica. O resultado é o aumento do carbono no solo e a diminuição da pegada carbónica agrícola. Por outro lado, quando a preocupação é melhorar a gestão do uso do solo, a CarBio-Solo promove “a agrofloresta, gestão sustentável das pastagens e a rotação dos animais”, entre outras ações, refere o cofundador.

Sendo o ser humano o grande responsável pelo problema, também pode fazer parte da solução, incorporando o sequestro de carbono nas suas estratégias de mitigação das alterações climáticas.

Além das abordagens ao nível do solo, a floresta é outro sumidouro terrestre onde vale a pena investir. Tanto assim é que um dos objetivos da Lei de Bases do Clima é aumentar a capacidade de sequestro de car¬bono da floresta. Mas, sendo Portugal um país devastado ano após ano por incêndios rurais, acrescem desafios relacionados com este sumidouro.

Além de libertarem grandes quantidades de CO2 para a atmosfera, os incêndios “matam árvores e outros tipos de vegetação, reduzindo a quantidade de carbono armazenado no ecossistema e alterando o equilíbrio do ciclo de carbono. Da mesma forma, também podem danificar os solos, reduzindo a sua capacidade de armazenar carbono sob a forma de matéria orgânica”, afirma Carlos Álvaro.

Por essa razão, é fundamental preservar estes importantes sumidouros de carbono. Para tal, existem estratégias de sequestro que se podem revelar úteis. Por exemplo, “a promoção da gestão florestal sustentável é crucial, uma vez que assegura o crescimento e a proteção das florestas e incentiva práticas sustentáveis que melhorem a sua capacidade de sequestro de carbono”, explica Carlos Álvaro.
E o que ganham os concelhos? Além da “melhoria das condições ambientais locais e uma melhor saúde pública dos munícipes”, acrescenta Miguel Jerónimo, coordenador de projetos no GEOTA, “a implementação de projetos de sequestro de carbono pode criar empregos em áreas como a gestão de recursos naturais e atrair investimentos para os municípios”.

A implementação de projetos de sequestro torna-se ainda mais atrativa num ano como o de 2023. Em janeiro, o Governo aprovou na generalidade o decreto-lei que cria um mercado voluntário de carbono nacional – uma plataforma de incentivos económicos para diminuir emissões de GEE e fomentar o sequestro de carbono. Na opinião de Miguel Jerónimo, este diploma, que está neste momento em consulta pública, “pode ser logo à partida uma boa oportunidade para os municípios desenvolverem projetos de sequestro de carbono e atrair investimento privado, sobretudo nos territórios afetados por incêndios florestais”.