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Um país onde não se chega a todo o lado de transportes públicos

Todas os dias, milhares de pessoas entram em autocarros, metros, comboios ou, até, barcos. Existem milhares de diferenças que separam estes milhares de pessoas, mas todas têm algo em comum: estão a diminuir a sua pegada ecológica ao optarem diariamente pelo transporte público coletivo em detrimento do carro.

Sabia que um automóvel movido a combustíveis fósseis emite cerca de 170 a 190 gramas de dióxido de carbono por passageiro, por quilómetro? Quem o diz é Filipe Moura, professor associado do Instituto Superior Técnico (IST). Em comparação, refere, “um autocarro facilmente emite quatro vezes menos por passageiro, por quilómetro”. Já em viagens longas, este valor no comboio é “17 vezes menor do que no avião”, explica Manuel Margarido Tão, investigador auxiliar convidado da Universidade do Algarve.

Se andar de transportes públicos coleti¬vos todos os dias é mais sustentável, como explicar o que os Censos 2021 nos dizem? De acordo com os resultados definitivos, menos pessoas preferem depender todos os dias dos transportes públicos. No ano passado, 9,1% admitiu usar o autocarro nos seus mo¬vimentos pendulares, enquanto, em 2011, essa percentagem chegava aos 15%.

Por outro lado, os mesmos dados mos¬tram que a maioria dos residentes em Por¬tugal usa diariamente o automóvel ligeiro de passageiros para se deslocar entre a casa e o trabalho ou local de estudo. Contas fei¬tas, 47,9% fê-lo enquanto condutor e 18,1% enquanto passageiro, o que representa um aumento face ao que se verificou há uma década.

Mas o que é que esta tendência de au¬mento do uso do carro – muitas vezes movi¬do a combustíveis fósseis – e de diminuição de utilização do transporte público coletivo realmente significa? Para o ambiente, são mais gases de efeito de estufa libertados para a atmosfera, o que agrava as alterações climáticas. Para a saúde humana, traduz-se no aumento da concentração de poluentes atmosféricos, nomeadamente de partículas suspensas e óxidos de azoto, que “todos os anos matam [sensivelmente] 5000 pessoas prematuramente” em Portugal, ou seja, dez vezes mais do que a sinistralidade rodoviária, alerta Filipe Moura.

Uma cidade que é de todos

Olhando para este contexto, uma ques¬tão se impõe: se é melhor para o ambien¬te e para a nossa saúde deixar o carro em casa, porque é que cada vez menos portu¬gueses o fazem? A resposta está na falta de investimento. “Há um grande atraso no investimento em transportes públicos em Portugal, não apenas a nível metropolita¬no, mas também nacional, com incidência particular na ferrovia”, explica Manuel Mar¬garido Tão.
As soluções são várias e devem ser pensadas conhecendo a realidade de cada cidade. Como resume o professor associado do IST, “se atacarmos o proble¬ma localmente, estamos a resolver uma parte do problema global”. Segundo Filipe Moura, para tornar as zonas urbanas se¬guras e saudáveis para todos, é obrigató¬rio apostar num “sistema de transportes coletivos forte”, associado a “políticas de restrição de utilização do automóvel”, afirma o mesmo especialista.

Restringir a entrada do automóvel nas cidades é algo a que já assistimos em Lisboa, a única cidade em Portugal onde existe uma Zona de Emissões Redu¬zidas (ZER). Nesta é proibida ou limitada a circulação de automóveis que, por a sua matrícula ser anterior a uma certa data, têm mais probabilidade de serem mais poluentes.

Nesta tarefa, o poder local também é chamado a intervir, ainda que a “mu¬nicipalização dos transportes” dependa de apoio financeiro do Estado para ser bem-sucedida. Ainda assim, há medidas que as autarquias podem implementar. Uma delas é “promover uma oferta con¬certada de parques dissuasores” – par¬ques de estacionamento nas periferias das cidades para evitar que os carros cir¬culem no centro – “tendencial ou comple¬tamente gratuitos nas periferias”, defende Manuel Margarido Tão. Além disso, “há que transpor a solução ferroviária para as ruas, subtraindo espaço à circulação automóvel”, acrescenta o investigador.

Segundo o especialista, é urgente inves¬tir fortemente na ferrovia “não apenas no nível metropolitano e urbano, mas também no longo-curso e regional”. Especialmen¬te quando, em Portugal, “há cidades de dimensão considerável, como Viseu, des¬providas de ligação ferroviária de qualquer espécie. Isto não é de todo compaginável com qualquer política de ordenamento do território credível”, alerta o investigador da Universidade do Algarve.

O desafio do last mile

Tirar espaço aos carros também sig¬nifica melhorar as infraestruturas já exis¬tentes e até criar novas. Investir em mais corredores BUS e em tecnologia, para que os semáforos deem passagem prioritária aos autocarros, são alguns dos caminhos que podem ser percorridos, defende o professor associado do IST, mas não são os únicos. É preciso olhar não só para o transporte público em si, mas também para a distância que o separa dos seus utilizadores.

Entram as soluções de primeira e última milha (first e last mile). Recai também sobre os municípios a responsabilidade de criar condições para que seja seguro e confortável percorrer as distâncias que não são cobertas por transportes públicos, por exemplo, o ca¬minho de casa para a estação. Andar a pé, de bicicleta e de trotinete (elétricas ou não), por exemplo, são formas de aumentar a cobertu¬ra espacial do transporte coletivo, sendo que estas soluções de mobilidade ativa, defende Filipe Moura, devem ser incluídas quando se pensa em sistemas de transportes públicos