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Transição energética é “prioridade máxima” num setor em crise

A crise energética que se tem feito sentir, especialmente a instabilidade ocorrida em 2021, veio mostrar a importância de se apostar, cada vez mais, na aceleração da transição energética e na relevância de assegurar a independência e a segurança no abastecimento.

A crise energética tem vindo a agravar-se, uma situação que se tornou ainda mais drástica com a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, e a atingir uma dimensão global. Os preços elevados da energia contribuíram para uma inflação nunca sentida, para a escassez de matérias-primas, aumentos das taxas de juros, famílias cada vez mais na pobreza e para o abrandamento do crescimento económico de muitos países.

Por outro lado, trouxe importantes oportunidades: “A crise energética veio colocar em absoluta evidência a urgência da aceleração drástica da transição energética, colocando-a como prioridade máxima nacional e europeia”, afirma Mariana Figueiredo, membro da Direção dos Future Energy Leaders Portugal. Veio exigir um esforço de todos, para garantir a antecipação das metas estabelecidas, “de modo a alcançar uma maior autonomia energética e, simultaneamente, uma maior garantia da segurança do abaste cimento”. Veio também acelerar a forte aposta no potencial renovável nacional, que “representará um motor de crescimento económico deste setor e do país”.

A par disto, há várias medidas, de curto e médio prazo, que começaram a ser implementadas nas cidades, para promover a eficiência energética e a poupança de energia. “No contexto desta crise foi lançado o Plano de Poupança de Energia 2022-2023, que recomenda diversas medidas localmente, tais como, reduzir o consumo energético associado à iluminação pública, interior e exterior, à climatização de espaços, também em piscinas e complexos desportivos, e aumentar a eficiência hídrica, através da redução do desperdício de água na rega de espaços exteriores”, explica Ana Müller, Project Officer na ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

A crise energética veio acelerar a forte aposta no potencial renovável nacional, que “representará um motor de crescimento económico deste setor e do país”

Portugal no bom caminho

No contexto do combate às alterações climáticas, a presente década é preponderante. Neste sentido, foi criado o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), tornando-se no principal instrumento em matéria do clima e energia para a década 2021-2030, com o objetivo global da neutralidade carbónica.

O PNEC 2030 “inclui uma caracterização da situação existente em Portugal em matéria de Energia e Clima, abrangendo cinco dimensões: descarbonização, eficiência energética, segurança de abastecimento, mercado interno da energia e investigação, inovação e competitividade, bem como as principais linhas de atuação planeadas para o cumprimento dos diferentes compromissos”, explica Ana Müller, que tem o ‘pelouro’ da implementação deste plano ao nível local.

Os esforços para a concretização do PNEC 2030 já se tornaram visíveis: “De acordo com os dados divulgados em janeiro de 2023 pelo Eurostat, Portugal encontra-se na quarta posição, entre os 27 estados-membros da União Europeia, com a maior quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo bruto de eletricidade nacional”, destaca Mariana Figueiredo. Além disso, Portugal é um dos países com maior taxa de energias renováveis no setor elétrico e “o primeiro país europeu a deixar definitivamente de usar carvão na produção de eletricidade”.

Outras fontes com elevado potencial no país passam pelas energias renováveis offshore, como a eólica e a energia das ondas. “Neste sentido, Portugal fixou como objetivo a produção de 10 GW de eletricidade a partir de energia eólica offshore em 2030, pelo que esse potencial está reconhecido”, admite Ana Müller.

João Pedro Gouveia, investigador do CENSE na NOVA School of Science and Technology, vai mais longe e acredita que Portugal pode ser energeticamente independente, só tem de “trilhar esse caminho”, afinal há tantos meios para isso acontecer. “Somos um dos países europeus com mais horas de sol, temos vento terrestre e oceânico e temos o oceano. Temos diferentes componentes para aproveitar a biomassa ou os resíduos. Temos aqui muitas soluções em termos de energias renováveis para a produção da eletricidade”, conclui.

“Portugal encontra-se na quarta posição, entre os 27 estados-membros da união europeia, com a maior quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo bruto de eletricidade nacional”

Municípios: uma mudança em construção

Nos últimos anos, têm sido implementados, em vários municípios, “programas para os cidadãos ou entidades gestoras de habitação que fornecem consultoria técnica, legal e financeira na área da energia, de forma gratuita”, refere a membro da Direção dos Future Energy Leaders Portugal. Estes programas visam a promoção da eficiência energética, das energias renováveis e do conforto térmico, contribuindo para a mitigação da pobreza energética no território municipal.

Está também prevista a renovação das frotas de transportes públicos coletivos, para opções mais sustentáveis, ou seja, movidos exclusivamente a eletricidade e/ou a gases renováveis, aproveitando várias candidaturas a fundos recentemente lançados, através do Plano de Recuperação e Resiliência.

“Assim sendo, é incontornável que nos encontramos no bom caminho. Porém, e embora sejam de realçar todas as iniciativas governamentais relevantes, a verdade é que as metas estabelecidas são extremamente ambiciosas, pelo que urge encontrar soluções complementares àquelas já implementadas”, conclui Mariana Figueiredo, referindo-se, por exemplo, à reforma e simplificação dos licenciamentos dos projetos de produção de energia de fontes renováveis ou de um sistema de formação a autoridades relevantes.

Portugal economicamente competitivo

Para além de ser um avanço no campo da sustentabilidade, o investimento em energia renovável pode significar um avanço económico para o nosso país. Segundo um estudo da associação portuguesa de energias renováveis, o impacto deste setor foi de três mil milhões de euros, em 2018, um valor que poderá atingir os 11 mil milhões de euros já em 2030. Isto implica, por exemplo, que os postos de trabalho passem de 46 mil para 160 mil. Isto é mais do que motivo para que mariana figueiredo afirme que o nosso país “deve continuar a capitalizar a sua vantagem competitiva”.