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Quando o clima obriga ao abandono do lar

Refugiados climáticos: um termo ainda desconhecido para muitos, que se refere às pessoas que são forçadas a sair das suas casas, temporariamente ou para sempre, devido aos fenómenos climáticos.

Imagine que amanhã caía uma chuva tão forte que o caudal do rio da sua cidade subia de tal forma que a sua casa deixava de existir. Ou passava a fazer tanto calor que era impossível viver na sua cidade. Se já sabemos que as alterações climáticas são uma ameaça à nossa existência neste planeta, temos também de saber que estes cenários não são tirados de nenhum filme de ficção científica apocalíptico. Já estão a acontecer em muitos lugares do planeta.

Assim, os impactos nocivos das alterações climáticas na vida das pessoas podem chegar ao ponto de as obrigar a abandonar a sua casa e a sua cidade, deixando para trás tudo aquilo que sempre conheceram – seja temporariamente ou para sempre. É desses movimentos migratórios que resultam os refugiados climáticos, “pessoas que foram forçadas a sair das suas casas e comunidades devido a fenómenos climáticos, tais como secas extremas, desertificação, subida dos níveis da água do mar e furacões”, explica a professora Maria Fernandes-Jesus, professora de psicologia na York St John University, no Reino Unido. “Essa migração torna-se muitas vezes a única forma de adaptação possível para sobreviver e subsistir.”

Olhando para esta questão de uma perspetiva mais global, e de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), anualmente cerca de 21,5 milhões de pessoas são obrigadas a migrar por questões ligadas ao clima. Estes números levam a professora a afirmar com certeza que a previsão é “que o número de migrantes climáticos, internos e externos, continue a aumentar exponencialmente nas próximas décadas, sobretudo em África, Ásia e América do Sul”.

As consequências do aquecimento global provocam importantes movimentos migratórios: “essa migração torna-se muitas vezes a única forma de adaptação possível para sobreviver e subsistir”.

Portugal é um dos países europeus que já estão a sofrer alguns impactos das alterações climáticas. Aliás, basta olhar para 2022, um dos anos com mais catástrofes naturais, para constatar isso mesmo, e tudo indica que vieram para ficar. “As projeções do IPCC (Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas) apontam para que os fenómenos extremos sejam cada vez mais frequentes no país”, como tal, “as alterações climáticas poderão induzir migrações climáticas em Portugal”, segundo a também investigadora Maria Fernandes-Jesus.

O desafio da inclusão

Com as pessoas a abandonarem o seu país, a condição de refugiado obriga ao reconhecimento de direitos que muitas vezes são esquecidos. Isto acontece, afirma Maria Fernandes-Jesus, devido a diversos fatores e independentemente da nacionalidade. O primeiro prende-se com “a falta de reconhecimento da própria existência destes migrantes”. O segundo relaciona-se com o facto destas pessoas “não serem ouvidas ou consideradas nas políticas ligadas às alterações climáticas”. Discriminação, racismo, dificuldades de acesso a saúde e habitação, desemprego por falta de estatuto legal e falta de apoios adequados são outros dos motivos.

Os migrantes climáticos são “vítimas de um problema criado pelos países mais ricos” que, por norma, são mais poluidores. Por esse motivo, e não só, é importante que “os países mais afetados sejam apoiados no desenvolvimento de medidas de adaptação climática, como por exemplo, através do aumento dos fundos disponíveis para esse fim”, aponta a investigadora. “O poder local, que está mais próximo das comunidades, também tem um papel importante em reverter esta tendência”, conclui Maria Fernandes-Jesus.