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Gestão sustentável de resíduos: um desafio por resolver

Transitar para uma economia circular é imprescindível para se conseguir um planeta mais sustentável. E, para isso, é preciso reduzir a geração de resíduos e tratar daqueles que podem voltar a ser utilizados.

Em 2021, cada português em território continental produziu, em média, 1,4 quilos de resíduos ur¬banos por dia, segundo contas da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). E, olhando para o histórico disponível no REA – Portal do Estado do Ambiente, percebemos que este número se mantém assim há muito tempo, não tendo sido possível diminuir este valor.

“Para que a situação mude, seria necessário apostar fortemente numa maior consciencialização de todos sobre as implicações destes números, e do que estes traduzem verdadeiramente num contexto de sustentabilidade da gestão de resíduos, numa ótica de melhor gestão de recursos para a redução do impacto ambiental, numa perspetiva de economia circular”, defende a engenheira Alzira Dinis, afeta à Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa, que afirma que, por cá, “não se pode considerar que a gestão de resíduos urbanos seja atual¬mente sustentável”, uma vez que há várias metas apontadas pela União Europeia das quais não nos aproximamos, como a da reciclagem.

Uma opinião também defendida por Graça Martinho, professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa e membro da Direção do centro de investigação MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que acre¬dita que “em teoria uma grande parte dos nossos resíduos poderia ser evitada, reutilizada ou reciclada, se os produtos fossem pensados para serem mais reutilizáveis e recicláveis, se incorporassem mais material secundário, se existissem condições económicas para isso e vontade política”.

De quem é a responsabilidade desses resíduos urbanos?

Se somos todos nós a produzir os resíduos urbanos, sejam eles de que tipo forem, não fica em nós a responsabilidade de lhes dar continuidade no ciclo. “É dos municípios, tal como está indicado no Regime Geral de Gestão de Resíduos”, responde prontamente Graça Martinho, tanto a recolha como o tratamento. Junta¬-se também à lista de tarefas a capacidade de influenciar e sensibilizar as populações para a adoção de hábitos mais sustentáveis.

Os municípios têm autonomia e têm instrumentos disponíveis, nomeadamente o Fundo Ambiental, para o fazer atual-mente. Este fundo, segundo Alzira Dinis, tem como um dos seus objetivos orientar os municípios na gestão de um plano de ação nacional, dirigido para a economia circular, visando a redução de matéria¬-prima. “Os municípios devem assim usar essa autonomia para promoverem a mu¬dança de paradigma do ‘produz/utiliza/ deita fora’ para um modelo de produção e de consumo que visa implicar a redução do desperdício ao mínimo, criando mais valor”.

A par disto, as autarquias devem apostar em soluções de tratamento inovadoras que permitam uma maior aproximação às metas estabelecidas a vários níveis, redução de produção de resíduos e promoção da reciclagem, em detrimento da aposta na deposição em aterro, assim como “a opção pelo sistema PAYT (pay-as-you-throw), que penalizará os municípios, mas que contribuiria para uma gestão de resíduos urbanos mais justa, em termos de responsabilização da produção de resíduos”.

Obter energia a partir de resíduos

Quando se fala em produção de energia a partir de resíduos, existem várias opções tecnológicas disponíveis, mas a mais utilizada é a valorização energética levada a cabo por alguns Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU). Trata-se de um processo de combustão, onde se queimam resíduos e, em resultado disso, se produz energia.

No entanto, “esta não é, na verdade, a opção mais inteligente/eficiente para atingir as metas, nem consiste na opção mais sustentável de gestão de resíduos, nomeadamente se os resíduos que são queimados podem (e devem) ser alvo de reciclagem ou outro processo de valorização, o que nem sempre acontece”, defende a engenheira, até porque “temos metas ambiciosas para cumprir para a reciclagem material”; a par disso, estarmos a “destruir termicamente os resíduos é impossibilitar a economia circular”, reforça Graça Martinho.

Em Portugal, “não se pode considerar que a gestão de resíduos urbanos seja atualmente sustentável”

É também importante destacar que a energia renovável e a eficiência energética assumem especial relevo no âmbito do Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030, em elaboração, “demonstrando a necessidade de o país ir mais além, criando novas cadeias de valor a partir de resíduos que até há algum tempo não era possível serem valorizados como recursos, nomeadamente em termos energéticos”, conclui Alzira Dinis, com a biomassa a ser um exemplo.

Resíduos de construção e demolição

Os resíduos que continuam a ser uma grande preocupação dos especialistas são os provenientes da Construção e Demolição. Como aponta Mário Ramos, engenheiro do ambiente, investigador do MARE na NOVA School of Science and Technology, entre 35 e 40% dos resíduos que são produzidos anualmente são Resíduos de Construção e Demolição (RCD). “Para termos uma ideia de comparação, os resíduos urbanos representam 8 a 10% e somos todos nós a produzir todos os dias”, exemplifica Mário Ramos,

O que podem ser RCD? Betão, tijolos, madeira, areia, gesso, papel, tinta, vernizes, metal, entre outros. E enquanto alguns não podem ter uma nova vida – por não serem recicláveis ou serem mesmo perigosos, estima-se que 70% poderiam voltar à cadeia de valor. “Estes são constituídos por fração e podíamos pegar neles, triturá-los, cumprindo determinadas certificações, e devolver ao setor da construção, como material reciclado”, explica Mário Ramos.

Para além de evitar que estes fossem para aterros, onde ficariam décadas, talvez séculos, sem desaparecerem, poluindo o ambiente, ou incinerados, tornando-se fonte emissora de gases poluentes, este tipo de tratamento iria evitar que o setor de construção tivesse de recorrer à extração de material virgem, uma vez que “o setor da construção é responsável por 50% de todos os materiais ao nível do planeta”.

Recentemente, em 2021, entrou em vigor um novo regime geral da gestão deste tipo de resíduos, que atribui ao sistema municipal a responsabilidade pela recolha, transporte e/ou receção de RCD resultantes de pequenas reparações e obras de bricolage em habitações pelo próprio proprietário ou arrendatário. Noutros casos, que não estes, a responsabilidade é do produtor do resíduo. Aí, têm de entrar em ação os valores próprios.

Modelo de gestão de resíduos

Assenta nas vertentes da recolha seletiva de resíduos de embalagens, recolha seletiva de biorresíduos para valorização orgânica via compostagem e/ou digestão anaeróbica, recolha indiferenciada e posterior tratamento mecânico ou reciclagem, recolha indiferenciada para valorização energética e deposição em aterro. Entre as várias vertentes, “o que se verifica é que a deposição em aterro predomina e a reciclagem não é suficiente”.

A recolha seletiva de biorresíduos assume, atualmente, “uma importância fundamental para o cumprimento das metas, considerando-se que estes resíduos representam aproximadamente 40% do total de resíduos urbanos”, explica alzira dinis. Por esse motivo, a partir de 1 de janeiro de 2024, a recolha seletiva de biorresíduos ou a sua separação e reciclagem na origem será obrigatória. Será dos municípios esta responsabilidade.