A mobilidade deve ser pensada com os olhos do cidadão
Carros elétricos, redes cicláveis, passeios e carsharing. Muitas são as opções que tornam mais sustentável a forma como nos movemos na cidade. Mas a sua aplicação depende da ação local.
No ano passado, o Parlamento Europeu aprovou o fim dos carros a combustão em 2035. Ou seja, a partir desse ano, é proibida a venda de veículos movidos a combustíveis fósseis. O objetivo é tornar nulas as emissões dos veículos ligeiros de passageiros e ligeiros de mercadorias dentro da União Europeia.
Feitas as contas, faltam apenas 12 anos para que esta lei entre em vigor, o que quer dizer que o consumidor tem de começar a procurar alternativas de mobilidade própria sustentáveis. É aqui que entram os veículos movidos a fontes de energia limpa, como a eletricidade de origem renovável. “As vantagens são inú¬meras, quer do ponto de vista da socie¬dade em geral, em termos da qualidade do ar e ambiente, quer do ponto de vista do utilizador do carro individual”, uma vez que “os custos de utilização são muito in¬feriores por comparação a carros movidos a energia fóssil”, afirma Rosário Macário, professora associada no Instituto Superior Técnico.
Porém, segundo a especialista, o preço elevado dos veículos elétricos torna esta opção inacessível para a maioria da po¬pulação. Outra barreira que se impõe à sua aquisição, diz a especialista, é a falta de infraestruturas de abastecimento de energia elétrica para carregamento.
Ainda assim, as vendas continuam a crescer e existem medidas ao acesso dos municípios para incentivar ainda mais esta transição. Na sua opinião, há dois instru¬mentos que as autarquias podem imple¬mentar neste sentido: os penalizadores e os de estímulo. Exemplos dos primeiros é a proibição de carros com matrículas mais antigas de entrar no centro da cida¬de, como acontece na Zona de Emissões Reduzidas de Lisboa. Por outro lado, e também em Lisboa, o estacionamento já é gratuito para veículos elétricos, de ma¬neira a estimular a sua aquisição. Outra medida que está ao nível do poder local, diz a especialista, é regular as fontes de energia usadas pelos táxis e TVDE.
O carro elétrico é o único caminho sustentável?
Ainda que os veículos elétricos sejam opções cada vez mais interessantes, não são as únicas soluções de transporte pró¬prio sustentável que existem. Especialmen¬te quando pensamos nas cidades. Torná¬-las não só mais amigas do ambiente, como dos seus habitantes – especialmente das crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida – envolve repensar o planeamen¬to urbano para incluir outras alternativas além do carro. Uma responsabilidade à qual os municípios não podem fugir.
“O município tem um papel predomi¬nante na definição dos espaços públicos e em torná-los atraentes para que sejam usados”, afirma Rosário Macário. Criar boas redes cicláveis e vias pedonais ga¬rante segurança e rapidez a quem quer andar a pé ou de bicicleta e trotinete (elé¬tricas ou não) no dia a dia. E isso terá de ser feito redistribuindo o espaço que está atualmente dedicado ao automóvel.
Ainda que os veículos elétricos sejam opções cada vez mais interessantes, não são as únicas soluções de transporte próprio sustentável que existem
Como explica a arquiteta, urbanista e especialista em mobilidade urbana Rita Castel’ Branco: “Nada disto se consegue sem espaço e este só pode ser captado ao automóvel – por um lado, porque é o automóvel que hoje tem a maior fatia do espaço público; por outro, porque este é o modo que queremos desincentivar”. Uma das formas de recuperar esse espaço é re-pensar a política de estacionamento. Para a especialista, não só seria interessante criar parques dissuasores nas periferias das cidades – aproveitando-se acordos com grandes superfícies comerciais e estádios – como também tornar pagos os dísticos de estacionamento para re-sidentes. “Quando está estacionado, o automó-vel ocupa 10 metros quadrados de um es-paço que é de todos. Não existe nenhuma razão lógica para que esse espaço seja atri-buído gratuitamente”. Assim, o dinheiro adicional que se passaria a cobrar sobre o primeiro dístico – e mais ainda sobre o segundo dístico – funcionaria como uma maneira de “diminuir a pressão sobre o estacionamento” e, consequentemente, “libertar o espaço para outros usos”, ex-plica Rita Castel’ Branco. Se subtrairmos esse espaço, para onde vai? Para as pessoas. Com menos espaço destinado a carros, é mais acessível criar uma rede ciclável consistente e “estaciona-mento seguro e facilmente acessível para bicicletas no local de residência”, incen-tivando as pessoas a recorrer à bicicleta elétrica e cargo bikes. Menos espaço des-tinado ao automóvel significaria também o alargamento dos passeios, refere Rita Castel’ Branco, e abertura para empresas e autarquias trabalharem em conjunto para apresentar soluções de carsharing, isto é, a partilha de veículos entre particulares. A par destas medidas, as Câmaras Municipais devem sensibilizar os cidadãos para “usar o carro privado de uma forma racional”, defende Rosário Macário. “A ideia não se trata de penalizar quem opta pelo carro”, esclarece Rita Castel’ Branco, mas sim fazer com que a “liberdade das famílias não dependa de um carro”. Até porque, “a mobilidade deve ser pensada com os olhos do cidadão”, defende Rosá-rio Macário, mostrando às pessoas que existe uma cadeia alternativa de mobili-dade, do transporte coletivo às bicicletas e trotinetas partilhadas, que dispensa o uso permanente do automóvel.