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Uma história que já está a ser contada

As medidas de recuperação e reforço da estabilidade do país já saíram do papel e estão a começar a chegar ao terreno. No entanto, o caminho até cá foi longo, exigindo de todos os atores um esforço extra.

Comissão Europeia deu luz verde ao Plano de Recuperação e Resiliência português em junho de 2021. Foi um dos primeiros a chegar às mãos dos comissários e, também por isso, um dos primeiros a ser aprovado, com poucas alterações. “As reformas e investimentos que o PRR inclui vão fazer com que Portugal saia desta crise mais forte e mais resiliente”, apontou Ursula von der Leyen na cerimónia oficial de aprovação do documento, referindo ainda que este era “ambicioso”, uma vez que apresentava “uma visão de futuro”, ao “permitir ajudar a criar um melhor futuro para Portugal, para os portugueses e para a UE”.

E se até esse momento só se conhecia uma versão preliminar desenhada com base nas linhas gerais definidas por António Costa e Silva na sua “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, o pacote de financiamento europeu, que já tinha sido apelidado de “bazuca euro¬peia” pelos governantes portugueses, foi finalmente conhecido: “Será financiado por recursos totais de 16,6 mil milhões de euros (…) e com um perfil de desembolsos que permitirá a liquidez necessária para que o PRR funcione como instrumento efetivo de resposta à crise”, pode ler-se no documento.

O PRR tem como objetivo “implementar um conjunto de reformas e de investimentos que permitirá ao país retomar o crescimento económico sustentado”

Portugal não ficou com a maior fatia dos fundos europeus ligados ao Next Generation EU, o instrumento temporário de recuperação criado pela União Euro¬peia para responder à pandemia, mas seguiu aquelas que eram os seis pilares relevantes da política europeia: a transição verde, a transformação digital, a coesão social e territorial, o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, incluindo coesão económica, emprego, produtividade, competitividade, investigação, desenvolvimento e inovação, e um mercado único em bom funcionamento com pequenas e médias empresas fortes, e a saúde e resiliência económica, social e institucional, inclusive com vista ao aumento da capacidade de reação e preparação para crises.

Assim, o Plano de Recuperação e Resiliência avançou, segundo o documento, como “um programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026”, que tem como objetivo “implementar um conjunto de reformas e de investimentos que permitirá ao país retomar o crescimento económico sustentado, reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década”. É apontado no mesmo documento que estes instrumentos de financiamento “farão fluir meios numa dimensão sem precedentes”, algo que é, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade e um grande desafio.

Em linha com as exigências da UE, o PRR é composto por três dimensões: resiliência, transição climática e transição digital

Um plano “exigente” e “ambicioso”

O histórico português na gestão de fundos comunitários deixa muita esperança no ar. Segundo cálculos da Comissão Europeia, e entre 2014 e 2020, Portugal liderou o ranking dos estados-membros com melhor execução de pagamentos vindos da União Europeia. Ainda assim, aos quase 17 mil milhões do PRR, juntam-se os fundos que ainda não foram executa-dos do anterior quadro comunitário, o PT2020, bem como os do próximo, que está já em fase de negociação, o PT2030. A capacidade de gestão será, então, posta à prova com alta responsabilidade.

As análises externas ao plano apontam para o mesmo. Miguel Amado, Partner EY e Government & Public Sector Consulting Leader considera ser necessário um “forte compromisso” para que este histórico se mantenha. “Este será provavelmente o ponto de maior desta¬que, um plano obrigado a implementar mudanças. Um plano exigente”, aponta Miguel Amado. “Esta exigência e necessidade de execução num curto espaço de tempo são também os principais desafios do PRR, a exigirem um forte compromisso dos agentes públicos e privados que executarão os investimentos.”

A própria análise do Governo aponta para estes desafios: “O conjunto de reformas apresentadas no PRR constitui um pacote ambicioso de ações que visa promover, simultaneamente, a transformação da economia e da sociedade portuguesas, tendo em vista a sua adaptação às tendências que marcarão a próxima década, bem como garantir, numa abordagem evolutiva e sistemática, que os
bloqueios estruturais ao desenvolvimento económico, social e territorial do país são ultrapassados.”

Em linha com aquelas que eram as exigências da União Europeia, o Plano de Recuperação e Resiliência é composto por três dimensões: Resiliência, Transição Climática e Transição Digital. A primeira, que abrange esforços que vão dos direitos à primeira habitação à necessidade de capitalizar e inovar em ambiente empresarial, é aquela que concentra em si mais dotação: 11,1 mil milhões de euros. É também aquela em que o Poder Local estará mais envolvido.

“A grande fatia de apoio direto às regiões está incluída na dimensão Resiliência, onde diretamente os municípios irão ter mais habitação social, um reforço considerável na área da Saúde, com a melhoria dos cuidados de saúde primários, assim como da rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e Rede Nacional de Cuidados Paliativos, um aumento nas respostas sociais, áreas florestais mais seguras e sustentáveis, maior e mais fácil acesso a Cultura através do digital, assim como edifícios energeticamente mais eficientes e mais produção de energia renovável”, acrescenta Miguel Amado.

A dimensão da Transição Climática conta com cerca de 3,1 mil milhões de euros para avançar para uma meta estabelecida pela própria União Europeia: até 2050, todos os estados-membros terão que reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa até zero, atingindo assim a neutralidade carbónica. “Com os investimentos e reformas da dimensão Transição Climática, existe uma clara mensagem de mudança e de um forte apoio à mudança. Uma mensagem de se passar das intenções para as ações”, afirma Miguel Amado, que vê aqui uma fonte de dificuldades para muitas empresas portuguesas.

Por fim, os investimentos e reformas no âmbito da Transição Digital poderão atingir os 2,5 mil milhões de euros, num esforço que, nas palavras do Governo, é de “inegável importância enquanto um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento do país”.

Necessidade de trabalho em conjunto

Depois de analisado tudo aquilo que ficou escrito, é preciso olhar para como é que estes milhões vão impactar a vida dos portugueses. Pensando num país em que os 16,6 mil milhões são aplicados na sua totalidade, com transparência e equidade, Miguel Amado vê um país com um novo sangue: “O PRR pode criar oportunidades e novas formas de negócio para as empresas locais e para os seus trabalhadores. Dos investimentos em transição climática resultará melhor qualidade de vida e com a transição digital irá promover a coesão territorial”, aponta.

No entanto, essa aplicação tem de ser feita localmente, para que seja verdadeiramente significativa. É por isso que o Governo estabeleceu como principal braço direito as autarquias e todas as instituições que representam o Poder Local. Em resumo, para pensar globalmente no país, mas aplicar localmente. Na visão da Associação Portuguesa de Municípios Portugueses (ANMP), o processo não terá avançado assim, estando agora a ser pedida uma intervenção que não foi antes alvo de consulta.

“O PRR reflete uma visão centralista e centralizadora, tendo arredado os municípios da sua gestão e das prioridades de intervenção. Teria sido necessária uma reorientação do PRR que lhe permita ter uma gestão mais descentralizada, que privilegie os investimentos locais e que favoreça a transparência”, apontava a ANMP em comunicado, aquando da publicação do plano.

Esta articulação previa-se então como um dos maiores desafios deste quadro comunitário. “O verdadeiro impacto do PRR apenas acontecerá com a participação de todos. Os impactos mais diretos na qualidade de vida dos cidadãos são aqueles resultantes de projetos locais, de decisões com conhecimento das características específicas de um espaço geográfico e social”, aponta Miguel Amado. Ainda assim, e já com seis meses de aplicação do PRR, as nuvens em torno desta parceria já se dissiparam: os municípios seguem na frente das candidaturas, com projetos inovadores e impactantes para as suas populações. Vamos ver como será Portugal após o PRR.